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Rio tem diversos políticos, muitos deles ex-policiais, presos por ligação com milícias e CV
Geral 30/10/2025 13:10 Relevância: 20

Rio tem diversos políticos, muitos deles ex-policiais, presos por ligação com milícias e CV

BRASÍLIA - Os complexos de favelas da Penha e do Alemão, na Zona Norte do Rio de Janeiro, foram cenário da mais letal operação policial realizada no país, que deixou ao menos 121 mortos, sendo 4 policiais e 120 suspeitos, na terça-feira (28/10). Mas o principal alvo, Edgar Alves Andrade, também conhecido como Doca ou Urso, de 55 anos, apontado como a maior liderança do Comando Vermelho (CV) na região, não havia sido preso até a manhã desta quinta-feira (30/10).
Mesmo com a fuga de Doca e as mortes, o governador Cláudio Castro (PL), assessores e aliados políticos falam em "sucesso" absoluto. Castro assumiu o governo do Rio em agosto de 2020, após o afastamento do então governador Wilson Witzel (PSC), alvo de impeachment por suspeita de corrupção, que defendia "mirar na cabecinha" de criminosos. As três operações policiais mais letais do estado desde 2007 ocorreram na gestão Castro. A mais recente é a mais mortal da história do Brasil.
Especialistas questionam a eficiência dos confrontos armados. Dizem que não resultam no fim das facções, tampouco na retomada do território pelo Estado. Desde a década de 1990, operações policiais contra o crime organizado no Rio não foram suficientes para frear o avanço do CV. Um dos principais grupos criminosos do país, ele tem no estado fluminense o berço das operações, mas já avançou com o tráfico para a Ásia, África e Europa.
Especialistas apontam maior êxito em outros tipo de ações policiais, como as desencadeadas em áreas nobres, sem sequer um tiro, com prisões de lideranças e apreensões de muitos bens. Assim como Operação Carbono Oculto, ocorrida em São Paulo, dois meses atrás, que atingiu esquema do Primeiro Comando da Capital (PCC) que usava fintechs para lavar dinheiro do tráfico através de postos de combustíveis.
E tanto operações contra o PCC como contra o CV revelaram como o crime organizado está entranhado no Estado, com políticos como comparsas, usando os cargos públicos para defender os interesses de facções criminosas, ganhando muito dinheiro em troca, além de imóveis, carros de luxo, joias e outros itens de grande valor. Alguns até lideravam os próprios grupos criminosos, controlando áreas populosas com o uso da força e municiando a bandidagem com armas de grosso calibre.
Deputado acusado de vender drones e armas para o CV
O caso mais recente é o do deputado estadual Thiego Raimundo de Oliveira Santos, conhecido como TH Joias, de 36 anos. Ele foi preso em 3 de setembro, acusado de ser um "relevante membro do Comando Vermelho" e um facilitador do crime organizado no Rio de Janeiro, descrito como "a facção criminosa vestida de terno, subindo em palanques".
Na megaoperação conjunta das polícias Federal e Civil, coordenada pelo Ministério Público Federal (MPF), não houve mortos nem feridos. Além de TH Joias, foram presas outras 14 pessoas. TH não estava em casa, em um condomínio de luxo na Barra da Tijuca, mas acabou localizado em outro conjunto de residências de alto padrão no mesmo bairro.
Também em áreas nobres do Rio, na mesma operação, policiais prenderam Luiz Eduardo Cunha Gonçalves, assessor parlamentar de TH, e Alessandro Pitombeira Carracena, secretário municipal de Ordem Pública do Rio na gestão de Marcelo Crivella (Republicanos), e ex-secretário estadual de Defesa do Consumidor de Cláudio Castro.
Entre outros presos estavam um delegado da PF, três policiais militares e Gabriel Dias de Oliveira, o Índio do Lixão, apontado como um dos chefes do CV. Os policiais ainda cumpriram mandados de sequestro de bens no total de R$ 40 milhões. A investigação da Delegacia de Repressão à Entorpecentes, PF e MPF revelou diversos crimes de TH.
Ele lavava dinheiro para chefes do tráfico, intermediava a venda de fuzis, munições e drogas, para o CV e facções rivais, como Terceiro Comando Puro (TCP) e Amigo dos Amigos (ADA), de acordo com as polícias e o MPF. Entre outros itens, TH teria lucrado muito com a venda de "antidrones", usados para derrubar os drones das forças de segurança.
TH já havia sido preso em 2017 por ligação com facções criminosas e pagar propina a policiais e vender drogas e armas. Condenado a quase 15 anos de prisão, ficou 10 meses na cadeia. Recorreu e aguardava uma decisão final em liberdade. Ele se candidatou à Assembleia Estadual do Rio de Janeiro (Alerj) pelo MDB, em 2022. Ficou com a segunda suplência.
TH Assumiu uma cadeira na Alerj em junho de 2024, na vaga de suplente do deputado Otoni de Paula Pai, que morreu em maio daquele ano. O primeiro na fila para assumir era Rafael Picciani, que preferiu permanecer como secretário de Esporte e Lazer na gestão de Cláudio Castro e deu lugar a TH.
Como deputado, TH participava de eventos de segurança pública e repassava informações privilegiadas às facções, segundo investigações. Há muitas fotos de TH ao lado de Cláudio Castro. O governador negou ligação próxima com TH. E mandou Picciani retornar ao mandato na Alerj, logo após a prisão de Thiego, que foi expulso do MDB.
TH tinha vídeos com traficantes em suas redes sociais. Em um deles, gravado em um baile no Morro do Alemão, o deputado aparece ao lado de Índio do Lixão. "Eu tô no crime, cara, 15 anos, eu tirei 2 anos de preso. Eu me dou com os monstros da facção, cara. Eu movimento dinheiro do homem mais procurado do Comando Vermelho", diz TH.
TH começou a trabalhar como ourives na adolescência, seguindo o ofício do pai. Ganhou fama vendendo joias com design personalizado a celebridades e traficantes, como Manoel Pereira, o Paulista, terceiro homem na cúpula do CV. O deputado já criou joias para o funkeiro Poze do Rodo e os jogadores de futebol Adriano Imperador, Vini Jr e Neymar Jr.
Irmãos policiais viram políticos e fundaram a maior milícia do Rio
O ex-vereador Jerônimo Guimarães Filho, o Jerominho, e seu irmão, o ex-deputado estadual Natalino José Guimarães, que foram policiais civis nos anos 1970, fundaram a maior milícia do Rio de Janeiro, a Liga da Justiça, nos anos 1990, com bombeiros, policiais civis e militares, guardas municipais, membros das Forças Armadas e agentes penitenciários.
Jerominho tentou uma vaga de deputado estadual pelo PSC, em 1998, mas não conseguiu ser eleito. Já no MDB, foi vereador do Rio de Janeiro por dois mandatos, entre 2000 e 2008. No entanto, um ano antes de terminar seu segundo mandato, foi preso. Condenado, permaneceu em penitenciárias federais por 11 anos.
Jerominho ganhou a liberdade em 2018, após ser absolvido pelo último processo que respondia na época. No mesmo ano, tentou se eleger deputado estadual. Mas foi derrotado nas urnas. Dois anos depois, a Polícia Federal fez uma operação que teve o ex-vereador e parentes como alvo. De acordo com a investigação, a família queria ocupar postos nos poderes Executivo e Legislativo para retomar o poder na Zona Oeste.
No fim de janeiro de 2022, Jerominho voltou a ser preso por extorsão a mão armada contra motoristas de vans. Menos de uma semana depois, foi solto. Dias antes da prisão, anunciou que pretendia se candidatar a deputado federal pelo Patriota. Mas acabou morto em 4 de agosto de 2022, aos 73 anos, baleado por homens de fuzil em Campo Grande.
Sua filha Carmem Glória Guinâncio Guimarães Teixeira, a Carminha Jerominho, foi eleita vereadora em 2008 pelo PTdoB, sendo presa durante a campanha, acusada de se beneficiar da atuação das milícias para obter votos. O mandato dela foi cassado em junho de 2009. Dois anos depois, o Tribunal Regional Eleitoral (TRE-RJ) reverteu a decisão, e ela retornou ao mandato em 2012. Na eleição daquele ano, não conseguiu se reeleger.
Já Natalino foi eleito deputado estadual em 2006, sendo preso pela primeira vez em 21 de julho de 2008, após trocar tiros com policiais que se dirigiam à sua casa, em Campo Grande, em operação contra a Liga da Justiça. Em seguida, foi expulso do partido, o Democratas (que virou DEM e, depois, União Brasil). Renunciou em 18 de novembro de 2008 para evitar abertura de processo de cassação.
Em 12 de março de 2009, Natalino foi condenado, com o irmão Jerominho. Natalino voltou a ser preso em 10 de dezembro de 2024, em uma operação do Ministério Público do Rio de Janeiro contra a prática de grilagem de terras em Búzios, na Região dos Lagos. Levado para Bangu I, teve habeas corpus negado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Policial civil que foi vereador e deputado estadual acabou condenado
Assim como os irmãos Guimarães, Jorge Luis Hauat, o Jorge Babu, foi policial civil, se envolveu com milícias e conseguiu ser eleito para cargos públicos no Rio de Janeiro, como vereador e deputado estadual. Suas relações com o crime foram reveladas pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Milícias, da Alerj.
Presidida pelo então deputado estadual Marcelo Freixo (Psol), a CPI das Milícias terminou em 2008, com o pedido de indiciamento de 266 pessoas, entre elas sete políticos, suspeitas de ligação com grupos paramilitares no Rio de Janeiro - os irmãos Guimarães e Babu estavam na lista.
Babu foi eleito vereador pelo PT em 2000 e 2004, quando foi preso em uma rinha de galos, atividade considerada crime ambiental no Brasil. Solto, enfrentou processo de expulsão do partido, aberto pelo então deputado estadual Alessandro Molon. Mas o PT decidiu só suspendê-lo por 45 dias.
Candidato a deputado estadual, Babu foi eleito em 2006, conquistando a última vaga do PT. Em 2008, durante a convenção que homologou a candidatura de Molon à prefeitura do Rio, houve atritos entre partidários dos dois políticos.
Ainda em 2008, Babu foi denunciado pelo MPF por formação de quadrilha e extorsão, acusado de chefiar milícias na Comunidade da Foice, em Pedra de Guaratiba, na Zona Oeste do Rio. Em janeiro de 2009, a Executiva Nacional do PT decidiu, por unanimidade, expulsá-lo do partido.
Após se transferir para o PTN, Babu tentou concorrer à reeleição em 2010, mas teve o registro de candidatura rejeitado pelo TRE-RJ. À época, negou todas as acusações e disse ser "perseguido por suas posições políticas".
Ainda em 2010, Babu foi demitido do cargo de inspetor de polícia do Rio, por responder a processo por formação de quadrilha e concussão. Em setembro do mesmo ano, foi condenado a sete anos de reclusão por formação de quadrilha e integrar milícia. Ele cumpriu a pena.
Vereador assassinado com 10 tiros em condomínio de luxo
Outros vereadores foram listados no relatório final da CPI das Milícias. Um deles, Josinaldo Francisco da Cruz (DEM), o Nadinho, foi apontado como um dos líderes da milícia de Rio das Pedras, na Zona Oeste do Rio. Em 2004, ele foi eleito vereador com 44% dos votos da zona eleitoral de Rio das Pedras. Ele se candidatou à reeleição em 2008, mas não se elegeu.
Nadinho teria firmado acordo com os irmãos Natalino e Jerominho para eliminar um outro líder da comunidade: PC Félix, inspetor da Polícia Civil assassinado em 22 de fevereiro de 2007. Ao todo, os executores fizeram mais de 40 disparos contra o carro dele, no Recreio dos Bandeirantes. Um grupo fiel ao antigo líder impediu Nadinho de controlar Rio das Pedras.
Nadinho chegou a ser preso em 26 de novembro de 2007, nove meses depois do assassinato do inspetor, suspeito de ser o mandante, mas foi solto 24 dias depois e passou a responder processo em liberdade. Ele também era suspeito de ser o mandante do atentado contra a viúva de Félix Tostes, Maria do Socorro Barbosa Tostes, de 42 anos.
Ela foi atingida por três tiros quando dirigia na Avenida Engenheiro Souza Filho, em Jacarepaguá, logo após deixar o condomínio onde morava no Itanhangá. Maria do Socorro seria a principal testemunha no processo respondido por Nadinho.
Por outro lado, Nadinho já estaria jurado de morte. Em depoimento reservado à CPI das Milícias, na Assembléia Legislativa do Rio, ele identificou um grupo que estaria comandando a milícia de Rio das Pedras e o ameaçava de morte. O ex-vereador foi assassinado com 10 tiros, em 10 de julho de 2009, no condomínio onde morava, na Barra da Tijuca.
Envolvimento com tortura, assassinato e ocultação de cadáveres
Já o vereador Luiz André Ferreira da Silva (PR), o Deco, comandava uma parte do bairro da Praça Seca, também na Zona Oeste, segundo a comissão parlamentar. Ele se elegeu vereador em 2004 e tentou reeleição em 2008, mas ficou na suplência. Foi acusado de envolvimento no assassinato de um policial civil e intimidar moradores para conseguir votos.
Em 2011, Deco foi preso preventivamente, por liderar milícia responsável por casos de tortura, assassinato e ocultação de cadáveres em ao menos 13 comunidades na Zona Oeste. No ano seguinte, o ministro Marco Aurélio de Mello, do STF, concedeu habeas corpus a Deco. Depois de sair da cadeia ele renunciou ao cargo de vereador.
O grupo de Deco também foi acusado de planejar o assassinato da hoje deputada estadual Martha Rocha, então delegada da Polícia Civil, e de Marcelo Freixo. Em 2013, o Ministério Público denunciou Deco e mais quatro pessoas por integrar milícias. Em 2016, o ex-vereador foi preso por homicídio qualificado e formação de quadrilha. Ele cumpriu pena.
Ainda segundo a CPI das Milícias, o vereador Cristiano Girão Matias (PMN) controlava a Gardênia Azul, na Zona Oeste do Rio. Sargento da PM, ele era dono da maioria das lan house do bairro, contando com a proteção de uma juíza, que seria sua amante.
Girão foi preso em 2009 e levado para uma unidade federal de segurança máxima no Rio. Seu mandato foi cassado em 2010, por conta da ausência nas sessões da Câmara Municipal. Em 2011, ele foi condenado a 14 anos de prisão por formação de quadrilha.
Em 2014, o ex-vereador foi condenado a mais quatro anos e oito meses de prisão por ter continuado na liderança da organização criminosa mesmo dentro da cadeia. Mas ele ganhou as ruas em 2015 e passou a ser monitorado por tornozeleira eletrônica.
Deputado e conselheiro de Contas envolvidos na morte de Marielle
Em 24 de março de 2024, policiais federais prenderam os irmãos Domingos Brazão e Chiquinho Brazão após serem denunciados como mandantes do atentado que terminou nos assassinato da vereadora Marielle Franco (Psol) e do motorista Anderson Gomes, em 14 de março de 2018, no centro do Rio de Janeiro.
A PF aponta como possíveis motivações para o crime divergências políticas entre o clã Brazão e Marielle, e também a atuação da vereadora contra grilagem de terras em áreas de milícia na Zona Oeste do Rio. Os irmãos Brazão são políticos de longa trajetória no Rio, com influência em Jacarepaguá, região de milícias.
O relatório dos investigadores afirma que o delator Ronnie Lessa apontou "como motivo [do crime] o fato de a vereadora Marielle Franco estar atrapalhando os interesses dos irmãos, em especial, sua atuação junto a comunidades em Jacarepaguá, em sua maioria dominadas por milícias, onde se concentra relevante parcela da base eleitoral da família Brazão".
Domingos Brazão é conselheiro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro (TCE-RJ). Já Chiquinho Brazão é ex-deputado federal. Outro denunciado e preso sob acusação de planejar o duplo homicídio é Rivaldo Barbosa, que era chefe da Polícia Civil do RJ à época do atentado. Antes disso, comandou a Divisão de Homicídios.
Domingos Brazão começou a carreira na política do Rio de Janeiro antes do irmão. Foi vereador, deputado estadual e, atualmente, é conselheiro do Tribunal de Contas do Estado - continua no cargo mesmo após ser preso e denunciado à Justiça. Já se envolveu em suspeitas de corrupção, ligação com quadrilhas e com a milícia, além de um assassinato.
Já Chiquinho Brazão foi eleito vereador pela primeira vez em 2004, ficou na Câmara Municipal do Rio por 14 anos. Em 2019, renunciou ao cargo para assumir como deputado federal. E só perdeu o mandato em 24 de abril de 2025, por ter extrapolado o limite de faltas a sessões, pois estava preso.
Chiquinho e o irmão, que sempre negaram envolvimento nas mortes de Anderson e Marielle, ainda aguardam julgamento. Em 12 de abril de 2025, Chiquinho deixou o Presídio Federal de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, um dia após a decisão do ministro do STF Alexandre de Moraes, que autorizou a prisão domiciliar para o réu devido à condição de saúde.
Os ex-policiais militares Ronnie Lessa e Élcio Queiroz foram presos, em março de 2019, como executores. Ambos admitiram a culpa. Lessa fez os disparos e Queiroz conduziu o carro usado no crime. No dia das prisões, a polícia encontrou 117 fuzis que Lessa escondia na casa de um amigo. Também apreendeu mais 500 munições, três silenciadores e R$ 112 mil.
Em outubro de 2024, o 4º Tribunal do Júri do Rio de Janeiro condenou Lessa e Queiroz pelas mortes de Anderson e Marielle. Lessa foi condenado a 78 anos de prisão, e Élcio, a 59 anos. Eles cumprem pena. Na última sexta-feira (24/10), o Instituto Marielle Franco divulgou uma carta cobrando que os irmãos Brazão sejam julgados pelo STF.

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