SÃO PAULO. Ganhador do Prêmio do Júri no Festival de Cannes, "Sirât" chega ao final com mais perguntas do que respostas. Geralmente essa indefinição é positiva, em filmes mais reflexivos, mas as questões que permeiam o filme espanhol se referem principalmente à sua moral, que abre margem para uma mensagem preconceituosa ao mesmo tempo que vê países não desenvolvidos como sinônimos de perigo.
Por outro lado, o filme, que tem o nome de Pedro Almodóvar na produção, pode também ser interpretado como um alerta sobre a falta de respeito e de vontade de conhecer culturas diferentes, como se o fato de ser de origem europeia pudesse servir de salvo conduto, numa visão colonialista - especialmente na região africana, onde a colonização europeia foi marcada por muitos conflitos e lutas pela independência.
Um dos destaques da 49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que segue em cartaz na capital paulistana até o dia 30, o longa dirigido por Oliver Laxe parece repetir a estrutura dos filmes de terror, principalmente os do estilo "slasher", em que um grupo (no gênero, jovens em busca de sexo) vai para uma região desconhecida, mesmo avisado de todos os riscos, pagando o preço por essa ousadia.
"Sirât" substitui adolescentes por adultos alienados que passam a vida em raves realizadas em lugares exóticos como desertos, atravessando fronteiras como se fossem parte de um filme de "Mad Max" - o estilo punk, por sinal, é bem semelhante ao dos personagens deste thriller futurista distópico. Um pai e filho "normais" que acabam acompanhando o grupo ajudam a criar um retrato negativo.
Boa parte da narrativa se estabelece em cima da desconfiança, como se a qualquer momento os punks fossem trair os dois personagens que só querem encontrar a filha desaparecida. O sumiço da garota nunca é devidamente explicado, deixando no ar que ela foi cooptada por outros grupos, sem dar notícia à família, que não tem nenhuma mácula para justificar a saída dela do lar.
Em outro momento de "Sirât", o grupo punk atravessa um rio com seus caminhões, deixando para trás o trailer de pai e filho. Cria-se uma tensão para logo depois dar um passo diferente, mas nunca se desfazendo totalmente da desconfiança. São detalhes que, reunidos, vão consolidando uma visão moralista, que se materializa no final trágico e de caráter punitivo.
Embora não exagere nas tintas, ao exibir a cultura do país onde os personagens transitam, o filme também não dar voz a esse elemento estrangeiro, que é usado justamente para ampliar a sensação de desconforto, como se a qualquer momento soldados ou rebeldes fossem atravessar o caminho do grupo. Pela TV, eles ficam sabendo que há um conflito armado na região, mas nada fazem em função disso.
Esse desinteresse também pode ser interpretado como exemplo de soberba. A bela cena em que os estrangeiros viajam em cima de trem ao lado de habitantes traz esse mea culpa, mas é tarde demais para um filme preconceituoso e recheado de ações punitivas, como vemos na sequência em que uma garota vai pelos ares após entrar em estado de consciência alterada e gritar "explode!", ao pedir para aumentar o volume da música.
Nessa cena em particular, há uma associação imediata entre substâncias que provocam o transe (que podem ser vistos como drogas), o estilo de música, a cultura punk e a imagem violenta que Laxe nos apresenta - e que se repete por outras vezes na trama. Quando estão em alta velocidade pelo deserto, com música eletrônica a todo volume, o grupo se revela como os conquistadores de "Mad Max".
O filme é bem editado e traz um ótimo elenco (Sergi Lopez, de "Uma Relação Pornográfica" e "O Labirinto do Fauno", entre eles), mas com maior sutilidade, não perdendo o foco na história da garota desaparecida, "Sirât" alcançaria maior efeito, principalmente em relação à falta de compreensão sobre outras culturais que não as ocidentais, vendo-as sempre por seu lado exótico.