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O ensino no Brasil: um ensaio literário sobre memória e desencanto
Geral 19/09/2025 13:35 Fonte: Folha - PE Por: Folha - PE Relevância: 30

O ensino no Brasil: um ensaio literário sobre memória e desencanto

O ensino no Brasil: um ensaio literário sobre memória e desencanto de o Brasil educacional é como um rio que já foi caudaloso e cristalino, mas que hoje corre raso, turvo e preguiçoso. Nas suas margens, ainda se erguem algumas pedras antigas que lembram o tempo em que o aprender era sagrado, em que o ABC era alicerce, não ornamento, e cada sílaba conquistada representava o tijolo de um futuro sólido.

O tempo da responsabilidade

Na minha geração, a escola era um templo de disciplina. O aluno só avançava quando tinha realmente aprendido. Se não sabia, repetia. A vergonha da repetência era o fogo que forjava o caráter. O engenheiro calculava sem calculadora; o advogado citava leis de memória; e o médico -- ah, o médico! -- tinha de tocar o paciente, sentir o calor ou o frio da pele, escutar o coração com o ouvido e com a alma.

A medicina não era apenas ciência: era também compaixão, era partilha da dor alheia. Ser médico significava carregar nas mãos não apenas bisturis, mas também a esperança.

O tempo da superficialidade

Hoje, quando observo os jovens, vejo olhos que piscam diante das telas, mas que não se iluminam diante dos livros. Um estudante de 17 anos pode gabar-se de dominar as redes sociais, mas não sabe quem construiu Brasília, não sabe quem governa seu estado, não sabe sequer situar o Brasil no concerto das nações. E por quê? Porque criamos um sistema em que o fracasso não existe. Passa-se de ano sem mérito, avança-se sem esforço, e a cultura, que deveria ser raiz, virou apenas folha solta ao vento. O resultado é uma geração de diplomas frágeis, como papel molhado, incapazes de sustentar o peso da vida real. Na medicina, o retrato é ainda mais cruel. Multiplicam-se faculdades privadas que fabricam médicos como se fossem produtos em série. O toque humano se perde, substituído por exames laboratoriais e protocolos impessoais. O médico, que outrora era guardião da vida, arrisca-se a ser mero operador de máquinas.

O futuro: um abismo anunciado

E o que será de nós, quando essa juventude tiver de enfrentar a era da inteligência artificial, da mecatrônica, da biotecnologia, da ciência que avança em velocidade estonteante?

Como navegar num mar revolto de inovação se não sabem manejar sequer o remo do conhecimento básico?

O futuro que se anuncia exige preparo, cultura, raciocínio crítico -- mas estamos entregando ao mundo jovens desarmados, que desconhecem a própria história, a própria geografia, a própria identidade. É como se enviássemos soldados para a guerra sem espadas, marinheiros para o oceano sem bússolas, médicos para o hospital sem o coração que pulsa pelo outro.

Conclusão amarga

A educação brasileira corre o risco de transformar-se num teatro de sombras: diplomas iluminados por holofotes artificiais, mas sem substância, sem alma, sem luz própria.

E se não mudarmos de rumo, políticos e governantes que hoje cruzam os braços assistirão amanhã a uma tragédia silenciosa: a de um país que, diante do futuro, não saberá interpretar, viver nem sobreviver. O ensino do passado era um tronco forte que sustentava o edifício da nação. O ensino de hoje é uma árvore carcomida, prestes a tombar. E o futuro, se nada for feito, será apenas o campo devastado onde as gerações colherão o vazio.

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