
Musica
21/09/2025 10:23
Fonte: O TEMPO
Por: O TEMPO
★
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Festival de Cinema de Diamantina chega ao fim com premiações e mostra que está só começando
Diamantina (MG). A noite de encerramento do II Festival de Cinema de Diamantina, ocorrida no sábado (20), foi agitada. Após a gravação de podcasts, sessão regional e mostras competitivas de curtas e longas, o momento mais aguardado era o anúncio das premiações. Antes, porém, outra atração ganhou destaque, com a exibição do longa-metragem mineiro "O Dia Que Te Conheci", da Filmes de Plástico, produtora de Contagem, que, desde a estreia em 2023, foi aclamado pela crítica e acabou premiado.
O filme foi exibido em um telão posicionado na Praça do Mercado Velho, em horizonte aberto, e foi contemplado por um público atencioso e dedicado, formado por adultos e crianças, que se emocionaram em cenas e sequências-chave desta película singela que, a seu modo, fala tanto ao universal quanto ao particular do povo mineiro, com um ritmo próprio, uma dicção reconhecida à primeira fala.
O ator Renato Novaes, que circulou pela cidade durante todo o dia, realizou uma conversa franca e aberta sobre o longa-metragem, ampliando o interesse acerca da produção, tanto do ponto de vista de seu resultado final quanto de seu processo de criação. Foi um instante que reafirmou a vocação à intimidade do festival, elevando o tom de uma conversa ao pé do ouvido a uma perspectiva de comunhão e partilha de experiências, conhecimentos e sensibilidades.
Enquanto o telão foi posicionado na parte lateral da praça, seu centro ficou reservado a outro palco, destinado ao show do músico mineiro Tatio Abreu, que entusiasmou a plateia com seu indie rock de pegada pop. Ali, o principal suspense da noite já havia sido desfeito, com as premiações ao curta carioca "Benedita", de Lane Lopes e Cadu Azevedo, e ao longa cearense "Centro Ilusão", de Pedro Diógenes, emocionando realizadores e participantes da empreitada.
O sentimento estranho que tomou conta logo após o anúncio desse encerramento foi a percepção de que tratava-se, na verdade, de um belo começo, um pontapé em direções que devem se convergir mais adiante, como a Cinerata, o intimismo e a proposição constante de novidades, aliando o inédito ao tradicional.
Ao longo de toda a semana, o II Festival de Cinema de Diamantina inscreveu-se na já agitada programação cultural da cidade como um ponto em ebulição, provocador, enfrentando com galhardia a questão da formação de público e o debate de ideais sobre os rumos e desafios do cinema autoral e independente no Brasil contemporâneo, apostando em valores como inovação, vigor, experimentação, ousadia e criatividade.
Compreendendo que o futuro está se fazendo durante o presente, procurou novas cartas para um jogo ainda em andamento, seguindo uma máxima do poeta russo Maiakovski de que um conteúdo revolucionário necessita de uma forma revolucionária para alcançar seu intento. Portanto, a sensação é que este é só o princípio de uma longa travessia cinematográfica no coração da cidade histórica conhecida por seus diamantes.
Retrospectiva: do intimismo à catarse
Em vermelho e azul os papéis no formato retangular foram pendurados com barbantes pela cidade como se fossem bandeirinhas juninas, atraindo os olhares de curiosos e interessados. Ali consta a programação do II Festival de Cinema de Diamantina, que ocorre na cidade histórica até sábado (20). A singeleza do gesto dá o tom do acontecimento. Ainda jovem, a empreitada procura captar a atenção dos presentes e diferenciar-se por algo que tem se tornado incomum nos dias atuais. Ao invés da grandiloquência de outros festivais, aposta na proximidade e no intimismo.
Essa característica ficou clara durante a apreciação ao longa-metragem "As Muitas Mortes de Antônio Parreiras", que contou com a presença de Lucas Parente, vindo do sertão de Crato, no Ceará. Ou seja, a questão da proximidade não configura-se aqui como qualquer espécie de protecionismo, pelo contrário, o Festival de Diamantina não está voltado para o próprio umbigo, ampliando seu escopo para diversas regiões do país. O que se busca, claramente, é estabelecer um diálogo direto com o público, cada vez mais habituado a sessões de cinema em shopping centers ou no conforto do sofá.
Talvez por isso tenha se falado em cineclubismo durante a sessão, uma referência aos aficionados pela sétima arte. Se o público é, de certa maneira, habituado ao cinema, não chega a configurar uma surpresa o teor experimental dos filmes contemplados, ainda que haja também espaço para produções mais convencionais, inclusive voltadas aos segmentos infantil e juvenil. Mas, quando a projeção começou, outra questão se impôs. Antes, Lucas Parente, o diretor, abordou o aspecto político do filme, lembrando que ele foi pensado durante o governo Temer, iniciado no governo Bolsonaro e finalizado no atual mandato de Lula.
O caminho longo, atravancado, pareceu ganhar materialidade com o próprio ritmo estendido de "As Muitas Mortes de Antônio Parreiras", em que imagens estáticas, fotografias, permaneciam na tela indefinidamente, contemplando tanto registros históricos de arquivo quanto as pinturas do artista que se dedicou a expressar as ânsias e belezas da floresta - em seu esplendor e quando atingidas pelas queimadas. Diante do que se via, foi inevitável pensar numa provocação proposta sub-repticiamente pelo cineasta, como que a contestar um dos chamados princípios do cinema, e que o brasileiro Julio Bressane também gosta de colocar em questão: cinema é imagem em movimento? Nem sempre. Ou, afinal, não necessariamente.
A noite histórica de Cinerata
O burburinho que se esgueirava entre as mesas e cadeiras amontoadas ao longo de toda a rua da Quitanda cessou imediatamente quando, do alto da sacada de quatro janelas laterais os tocadores de sopro atacaram com seus instrumentos metálicos, anunciando o início da tão aguardada Cinerata. Minutos antes, o diretor artístico e coordenador geral do II Festival de Cinema de Diamantina dera a letra. Felipe Canêdo sugeriu que, assim como aconteceu com a primeira Vesperata, em 17 de agosto de 1997, aquela poderia ser uma noite histórica, o que se confirmou pouco depois de suas palavras serem levadas pelo vento.
Havia um misto de emoção e descontração no ar que prevaleceu durante todo o tempo em que a orquestra formada com músicos da cidade executou, diante da plateia, uma trilha sonora original, concebida também por filhos ilustres de Diamantina, enquanto, no enorme telão posicionado na parte extrema da praça, um filme mudo e em preto&branco de Buster Keaton mobilizava a atenção de adultos e crianças que se punham a rir das peripécias do atrapalhado personagem, cujo estilo influenciou de Charlie Chaplin aos desenhos animados. Suas trapalhadas cômicas, infantis, lúdicas, ofereceram a todos um bem precioso, raro: rir do impossível, pois na arte tudo se pode.
Com direito até a brincadeiras metalinguísticas, ao projetar o seu espelho na tela o personagem apreendia a vida de um ângulo mais bonito. Não há como deixar passar a expressão estoica e imutável de Keaton, a despeito de suas estripulias acrobáticas, conferindo um semblante melancólico àquela figura injustiçada e esguia. Se o cinema se enveredou, ao longo dos anos, numa tentativa cada vez menos inventiva de reproduzir a realidade, aqui temos exatamente o contrário. Ele ainda causava espanto pela capacidade de superá-la e nos jogar para além dela.
A singeleza da aventura cinematográfica se acoplou de forma tão natural à sonoridade proposta que por vezes se esquecia estar ali uma trupe de talentosos e dedicados músicos a realizar aquela música que de repente se tornava ágil, robusta, elétrica, noutras retornava a uma suave introspecção, tudo com uma delicadeza artesanal. Quando o segundo filme foi exibido, mostrando na tela um já idoso Buster Keaton da década de 1960, muito diferente daquele apreciado minutos antes no esplendor dos anos 1920, mas ainda com as mesmas vestes e cacoetes, o jogo já estava ganho.
Nem a dispersão natural ante uma película feita para o governo do Canadá de óbvia pretensão publicitária atrapalhou o sentimento geral de ter havido ali, de fato, mais uma noite histórica em Diamantina. Afinal, a experiência mostrava, a olhos vistos, que o cinema, assim como o teatro, também é a arte do instante único, fugaz, de brilho raro, vivido no momento ao vivo como uma epifania. Neste caso, bastava olhar para trás, recuperando-se os primórdios da sétima arte com seu cinema mudo, e, ironicamente, mirar o futuro, restaurando o vigor cinematográfico em época de streaming e shopping. A derradeira manifestação da plateia deu o mesmo recado: não esquecer o passado para caminhar em direção ao novo: "Sem anistia!", foram os brados ouvidos ao final da sessão.
O filme foi exibido em um telão posicionado na Praça do Mercado Velho, em horizonte aberto, e foi contemplado por um público atencioso e dedicado, formado por adultos e crianças, que se emocionaram em cenas e sequências-chave desta película singela que, a seu modo, fala tanto ao universal quanto ao particular do povo mineiro, com um ritmo próprio, uma dicção reconhecida à primeira fala.
O ator Renato Novaes, que circulou pela cidade durante todo o dia, realizou uma conversa franca e aberta sobre o longa-metragem, ampliando o interesse acerca da produção, tanto do ponto de vista de seu resultado final quanto de seu processo de criação. Foi um instante que reafirmou a vocação à intimidade do festival, elevando o tom de uma conversa ao pé do ouvido a uma perspectiva de comunhão e partilha de experiências, conhecimentos e sensibilidades.
Enquanto o telão foi posicionado na parte lateral da praça, seu centro ficou reservado a outro palco, destinado ao show do músico mineiro Tatio Abreu, que entusiasmou a plateia com seu indie rock de pegada pop. Ali, o principal suspense da noite já havia sido desfeito, com as premiações ao curta carioca "Benedita", de Lane Lopes e Cadu Azevedo, e ao longa cearense "Centro Ilusão", de Pedro Diógenes, emocionando realizadores e participantes da empreitada.
O sentimento estranho que tomou conta logo após o anúncio desse encerramento foi a percepção de que tratava-se, na verdade, de um belo começo, um pontapé em direções que devem se convergir mais adiante, como a Cinerata, o intimismo e a proposição constante de novidades, aliando o inédito ao tradicional.
Ao longo de toda a semana, o II Festival de Cinema de Diamantina inscreveu-se na já agitada programação cultural da cidade como um ponto em ebulição, provocador, enfrentando com galhardia a questão da formação de público e o debate de ideais sobre os rumos e desafios do cinema autoral e independente no Brasil contemporâneo, apostando em valores como inovação, vigor, experimentação, ousadia e criatividade.
Compreendendo que o futuro está se fazendo durante o presente, procurou novas cartas para um jogo ainda em andamento, seguindo uma máxima do poeta russo Maiakovski de que um conteúdo revolucionário necessita de uma forma revolucionária para alcançar seu intento. Portanto, a sensação é que este é só o princípio de uma longa travessia cinematográfica no coração da cidade histórica conhecida por seus diamantes.
Retrospectiva: do intimismo à catarse
Em vermelho e azul os papéis no formato retangular foram pendurados com barbantes pela cidade como se fossem bandeirinhas juninas, atraindo os olhares de curiosos e interessados. Ali consta a programação do II Festival de Cinema de Diamantina, que ocorre na cidade histórica até sábado (20). A singeleza do gesto dá o tom do acontecimento. Ainda jovem, a empreitada procura captar a atenção dos presentes e diferenciar-se por algo que tem se tornado incomum nos dias atuais. Ao invés da grandiloquência de outros festivais, aposta na proximidade e no intimismo.
Essa característica ficou clara durante a apreciação ao longa-metragem "As Muitas Mortes de Antônio Parreiras", que contou com a presença de Lucas Parente, vindo do sertão de Crato, no Ceará. Ou seja, a questão da proximidade não configura-se aqui como qualquer espécie de protecionismo, pelo contrário, o Festival de Diamantina não está voltado para o próprio umbigo, ampliando seu escopo para diversas regiões do país. O que se busca, claramente, é estabelecer um diálogo direto com o público, cada vez mais habituado a sessões de cinema em shopping centers ou no conforto do sofá.
Talvez por isso tenha se falado em cineclubismo durante a sessão, uma referência aos aficionados pela sétima arte. Se o público é, de certa maneira, habituado ao cinema, não chega a configurar uma surpresa o teor experimental dos filmes contemplados, ainda que haja também espaço para produções mais convencionais, inclusive voltadas aos segmentos infantil e juvenil. Mas, quando a projeção começou, outra questão se impôs. Antes, Lucas Parente, o diretor, abordou o aspecto político do filme, lembrando que ele foi pensado durante o governo Temer, iniciado no governo Bolsonaro e finalizado no atual mandato de Lula.
O caminho longo, atravancado, pareceu ganhar materialidade com o próprio ritmo estendido de "As Muitas Mortes de Antônio Parreiras", em que imagens estáticas, fotografias, permaneciam na tela indefinidamente, contemplando tanto registros históricos de arquivo quanto as pinturas do artista que se dedicou a expressar as ânsias e belezas da floresta - em seu esplendor e quando atingidas pelas queimadas. Diante do que se via, foi inevitável pensar numa provocação proposta sub-repticiamente pelo cineasta, como que a contestar um dos chamados princípios do cinema, e que o brasileiro Julio Bressane também gosta de colocar em questão: cinema é imagem em movimento? Nem sempre. Ou, afinal, não necessariamente.
A noite histórica de Cinerata
O burburinho que se esgueirava entre as mesas e cadeiras amontoadas ao longo de toda a rua da Quitanda cessou imediatamente quando, do alto da sacada de quatro janelas laterais os tocadores de sopro atacaram com seus instrumentos metálicos, anunciando o início da tão aguardada Cinerata. Minutos antes, o diretor artístico e coordenador geral do II Festival de Cinema de Diamantina dera a letra. Felipe Canêdo sugeriu que, assim como aconteceu com a primeira Vesperata, em 17 de agosto de 1997, aquela poderia ser uma noite histórica, o que se confirmou pouco depois de suas palavras serem levadas pelo vento.
Havia um misto de emoção e descontração no ar que prevaleceu durante todo o tempo em que a orquestra formada com músicos da cidade executou, diante da plateia, uma trilha sonora original, concebida também por filhos ilustres de Diamantina, enquanto, no enorme telão posicionado na parte extrema da praça, um filme mudo e em preto&branco de Buster Keaton mobilizava a atenção de adultos e crianças que se punham a rir das peripécias do atrapalhado personagem, cujo estilo influenciou de Charlie Chaplin aos desenhos animados. Suas trapalhadas cômicas, infantis, lúdicas, ofereceram a todos um bem precioso, raro: rir do impossível, pois na arte tudo se pode.
Com direito até a brincadeiras metalinguísticas, ao projetar o seu espelho na tela o personagem apreendia a vida de um ângulo mais bonito. Não há como deixar passar a expressão estoica e imutável de Keaton, a despeito de suas estripulias acrobáticas, conferindo um semblante melancólico àquela figura injustiçada e esguia. Se o cinema se enveredou, ao longo dos anos, numa tentativa cada vez menos inventiva de reproduzir a realidade, aqui temos exatamente o contrário. Ele ainda causava espanto pela capacidade de superá-la e nos jogar para além dela.
A singeleza da aventura cinematográfica se acoplou de forma tão natural à sonoridade proposta que por vezes se esquecia estar ali uma trupe de talentosos e dedicados músicos a realizar aquela música que de repente se tornava ágil, robusta, elétrica, noutras retornava a uma suave introspecção, tudo com uma delicadeza artesanal. Quando o segundo filme foi exibido, mostrando na tela um já idoso Buster Keaton da década de 1960, muito diferente daquele apreciado minutos antes no esplendor dos anos 1920, mas ainda com as mesmas vestes e cacoetes, o jogo já estava ganho.
Nem a dispersão natural ante uma película feita para o governo do Canadá de óbvia pretensão publicitária atrapalhou o sentimento geral de ter havido ali, de fato, mais uma noite histórica em Diamantina. Afinal, a experiência mostrava, a olhos vistos, que o cinema, assim como o teatro, também é a arte do instante único, fugaz, de brilho raro, vivido no momento ao vivo como uma epifania. Neste caso, bastava olhar para trás, recuperando-se os primórdios da sétima arte com seu cinema mudo, e, ironicamente, mirar o futuro, restaurando o vigor cinematográfico em época de streaming e shopping. A derradeira manifestação da plateia deu o mesmo recado: não esquecer o passado para caminhar em direção ao novo: "Sem anistia!", foram os brados ouvidos ao final da sessão.